Aquele que partilha do pão que dá vida ao mundo ( cf. Jo 6,51) , deve nutrir no seu coração esse sentimento que gera uma atitude concreta de serviço ao próximo, em um incessante: viu, sentiu compaixão e cuidou dele (cf. Lc 10,33-34).
A Eucaristia está intimamente ligada ao serviço da solidariedade. São João Paulo II nos lembra que ela “não é apenas expressão de comunhão na vida da Igreja. É também projeto de solidariedade para a humanidade toda!”[1]. Porque celebrar a Santa Missa significa que o Cristão está unido a Deus, mas também ao mundo todo, portanto, aquele que participa desta Ação de Graças deve ser um promotor da solidariedade. [2]
A eucaristia, sinal da unidade com todos, que prolonga e faz presente o mistério do Filho de Deus feito homem, nos propõe uma evangelização integral. […] Para isso, tem que seguir o caminho de Jesus e chegar a ser a boa samaritana como Ele. Cada paróquia deve chegar a concretizar em sinais solidários seu compromisso social.[3]
É bom lembrar que Solidariedade não é um termo de origem cristã, e muito menos um termo que pode ser facilmente definido. A palavra é de origem francesa e no dicionário significa: sentimento de simpatia ou piedade pelos que sofrem. Manifestação desse sentimento, com o intuito de confortar ou ajudar. Cooperação ou assistência moral que se manifesta ou testemunha a alguém em certas circunstâncias, ou seja, uma ação concreta a alguém que sofre, e estado ou condição de duas ou mais pessoas que dividem igualmente entre si as responsabilidades. [4]
Mas, em nosso mundo secularizado a palavra solidariedade passou a abranger muitas coisas. Pois, as palavras caridade, amor, compaixão e misericórdia parecem ter perdido força para expressar uma ação concreta de ir ao encontro do outro. Já a expressão solidariedade condensou todos esses sentidos. A ponto que quando se fala: de uma boa ação a alguém; ajuda a alguém que está sofrendo; doação de mantimentos; serviço e amor ao próximo; ou qualquer ação que represente uma ajuda moral e assistencial ao outro pode ser chamada de solidariedade.
Além do mais, o adjetivo “humana” muitas vezes colocado ao lado da palavra “solidariedade” deseja frisar que ser solidário significa o desejo concreto de ir ao encontro do próximo, porque supõe a existência de uma rede onde todos nos reconhecemos irmãos. E como nos diz o Papa Francisco em sua nova encíclica, solidariedade é pensar e agir em termos de comunidade. [5]
Logo, a solidariedade em contexto cristão expressa o serviço primordial da caridade, ou seja, do amor ao próximo, realizando o mandamento do Senhor que diz que devemos amar ao próximo como a si mesmo, e ainda mais, que devemos socorrer todos os irmãos em suas necessidades.
A solidariedade manifesta-se concretamente no serviço, que pode assumir formas muito variadas de cuidar dos outros. O serviço é, em grande parte, cuidar da fragilidade. Servir significa cuidar dos frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo. Nesta tarefa, cada um é capaz de pôr de lado as suas exigências, expetativas, desejos de onipotência, à vista concreta dos mais frágeis […]. O serviço fixa sempre o rosto do irmão, toca a sua carne, sente a sua proximidade e, em alguns casos, até “padece” com ela e procura a promoção do irmão. Por isso, o serviço nunca é ideológico, dado que não servimos ideias, mas pessoas.[6]
Aquele que partilha do pão que dá vida ao mundo ( cf. Jo 6,51)[7], deve nutrir no seu coração esse sentimento que gera uma atitude concreta de serviço ao próximo, em um incessante: viu, sentiu compaixão e cuidou dele (cf. Lc 10,33-34). Pois, na mesa eucarística somos convidados a anunciar ao mundo esse amor por meio do serviço,
Desta forma, nas pessoas que contacto, reconheço irmãs e irmãos, pelos quais o Senhor deu a sua vida amando-os « até ao fim » (Jo 13, 1). Por conseguinte, as nossas comunidades, quando celebram a Eucaristia, devem consciencializar-se cada vez mais de que o sacrifício de Jesus é por todos; e, assim, a Eucaristia impele todo o que acredita n’Ele a fazer-se « pão repartido » para os outros e, consequentemente, a empenhar-se por um mundo mais justo e fraterno.[8]
Esse empenho não é uma ação diversa do sentido da eucaristia, pois faz parte do mandado da eucaristia. Esse mandato é o amor, e esse amor se manifesta no serviço, na comunhão, na unidade, na compaixão e no socorro a todos os necessitados.
Esse convite eucarístico à solidariedade universal parte de um Deus que faz chover sobre os bons e maus (cf. Mt 5, 45), que nos convida a amar os inimigos e orar pelos que nos odeiam (cf. Mt 5,44). Logo, a comunidade eucarística é aquela que não deixa que ninguém passe necessidades (cf. 1Jo, 3, 17), que serve e lava os pés uns dos outros (cf. Jo 13,14), e que segue o mandamento do amor levado a perfeição: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (cf. Jo 15, 12).
Logo, a Eucaristia nos convida a ir em socorro dos mais fracos, em uma ação solidária que não quer somente sanar as feridas materiais, mas também as espirituais, e portanto ao comungarmos o Corpo do Senhor devemos sentir em nosso peito um apelo a compaixão, a esse sentimento de empatia pelo próximo.
Pois, Ela é um alimento para o caminho,[9] por ela entramos no dinamismo de Jesus em relação a Deus e ao próximo,[10] nos impulsionando a missão, como nos exorta a oração pós-comunhão da solenidade do Sagrado Coração de Jesus: “Ó Deus, que este sacramento da caridade nos inflame em vosso amor e, sempre voltados para o vosso Filho, aprendamos a reconhecê-lo em cada irmão.”[11]
Além do mais, a eucaristia não é uma mesa fechada ou um privilégio dos puros. Ela é força para quem estar a serviço do mestre Jesus, Ação de Graças na qual nos unimos no seguimento de Cristo, e reconhecemos a Deus como o Senhor da vida[12], e compromisso de serviço, principalmente para com aqueles que estão em situações mais vulneráveis, para com os mais empobrecidos, como nos exorta o professor Taborda:
Mas comunhão a partir da memória de Jesus significa comunhão como a de Jesus: ele criou comunhão e fraternidade a partir do pobre. […] Toda comunhão que não se baseie nessa solidariedade é falsa, pseudocomunhão, porque é abstrata, não tem base concreta (cf. Tg 2, 14-17). A solidariedade com os pobres é o polo de comunhão da comunidade. Onde isso não acontece a comunhão é mentirosa (cf. 1 Co 11, 17-34: “não é a ceia do Senhor”)’.[13]
E ainda podemos citar São João Paulo II:
Do amor mútuo e, em particular, da solicitude por quem passa necessidade, seremos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Cristo (cf. Jo 13,35; Mt25,31-46). Com base neste critério, será comprovada a autenticidade das nossas celebrações eucarísticas.[14]
Portanto, a relação entre Eucaristia e Solidariedade consiste em fazer arder uma chama permanente de caridade no coração do Cristão, que o impele a ser testemunha da misericórdia de Deus para com todos os irmãos. Pois, da Sagrada Comunhão emana para humanidade inteira o amor de Deus que nos torna todos irmãos e corresponsáveis uns pelos outros gerando um sentimento de solidariedade universal. Pois, “central da eucaristia é ser sinal de comunhão de vidas e de pessoas, na solidariedade com os pobres e no serviço aos irmãos”.[15]
Terminamos lembrando o discurso do Papa Bento XVI na abertura dos Trabalhos da V conferência geral do episcopado da América Latina e do Caribe, que nos afirma que “o encontro com Jesus Cristo na Eucaristia suscita o compromisso da evangelização e o impulso da solidariedade”.[16] Aquele que participa da mesa da eucaristia deve testemunhar o próprio Cristo na sociedade, para que ela seja mais justa e humana. Pois, da Eucaristia brota um imenso caudal de caridade que nos faz participar das dificuldades e sofrimentos do outro.[17]
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Ir. Pedro Paulo Espirito Santo Queiroz, CJS.
Religioso e Promotor Vocacional na Congregação de Jesus Sacerdote, Editor-Chefe da Revista Voz Amiga, Formado em Licenciatura Plena em Filosofia pela FAJOPA, e cursando o 7º semestre de Teologia no UNISAL. Bolsista PIBIC-CNPQ
[1] João Paulo II. CARTA APOSTÓLICA MANE NOBISCUM DOMINE: para o ano da eucaristia. 2004. Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/2004/documents/hf_jp-ii_apl_20041008_mane-nobiscum-domine.html. Acesso em: 06 out. 2020. n. 27.
[2] Cf. ibid. n.27.
[3] Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (Celam). Documento de Aparecida: Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe. Brasília: Edições CNBB; São Paulo: Paulus; Paulinas, 2007. n.176.
[4] Cf. Solidariedade. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em: https://www.dicio.com.br/solidariedade/. Acesso em: 08/10/2020.
[5] Cf. Francisco. CARTA ENCÍCLICA FRATELLI TUTTI: sobre a fraternidade e a amizade social. 2020. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html. Acesso em: 07 out. 2020. n. 116
[6] Ibid. n. 115
[7] Bíblia: A Bíblia do Peregrino. 3. Ed. São Paulo: Paulus, 2017.
[8] Bento XVI. EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL SACRAMENTUM CARITATIS: sobre a eucaristia fonte e ápice da vida e da missão da igreja. 2007. Disponível em: http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/apost_exhortations/documents/hf_ben-xvi_exh_20070222_sacramentum-caritatis.html. Acesso em: 01 out. 2020. n.88.
[9] Cf. DAp, n. 354
[10] Cf. DAp, n. 253.
[11] Missal Romano. 12º ed. São Paulo: Paulus, 1997.
[12] Cf. Taborda, Francisco. Eucaristia e Igreja. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 17, n. 41, p. 29-62, 01 jan. 1985. Tri. Disponível em: <http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/1935/2238> Acesso em: 25 set. 2020.p. 58
[13] Taborda, Francisco. Eucaristia e Igreja. Perspectiva Teológica, p. 32
[14] João Paulo II. CARTA APOSTÓLICA MANE NOBISCUM DOMINE: para o ano da eucaristia., 28.
[15] Taborda, Francisco. Eucaristia e Igreja. Perspectiva Teológica, p. 62
[16] Cf. DAp, p. 276
[17] Cf. Ibid.
Referências
Bento XVI. EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL SACRAMENTUM CARITATIS: sobre a eucaristia fonte e ápice da vida e da missão da igreja. 2007. Disponível em: http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/apost_exhortations/documents/hf_ben-xvi_exh_20070222_sacramentum-caritatis.html. Acesso em: 01 out. 2020.
Bíblia: A Bíblia do Peregrino. 3. Ed. São Paulo: Paulus, 2017.
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (Celam). Documento de Aparecida: Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe. Brasília: Edições CNBB; São Paulo: Paulus; Paulinas, 2007.
Dicio, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em: https://www.dicio.com.br/solidariedade/.
Francisco. Carta Encíclica Fratelli Tutti: sobre a fraternidade e a amizade social. 2020. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html.
João Paulo II. Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine: para o ano da eucaristia. 2004. Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/2004/documents/hf_jp-ii_apl_20041008_mane-nobiscum-domine.html.
Missal Romano. 12º ed. São Paulo: Paulus, 1997.
Taborda, Francisco. Eucaristia e Igreja. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 17, n. 41, p. 29-62, 01 jan. 1985. Tri. Disponível em: <http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/1935/2238>