Eis o grande sinal de Amor, o filho de Deus que desce ao nosso encontro, rebaixa-se, para que possamos receber as graças que Deus nos reserva. Deus nos quer em sua presença, é Ele próprio que nos convida estar em sua presença e nos oferece os bens que dele procede.
O homem nasce dentro de uma sociedade na qual lhe ensinam os seus valores e deveres, moldando assim seu modo de pensar e de agir. Nossos círculos de relacionamento são formados por afinidades. Isso faz com que o outro, que não compartilhe dos mesmos parâmetros, tenha que se encaixar em padrões estabelecidos. Desse modo, existe dentro de uma mesma sociedade grupos que não conseguem aceitar outros grupos, criando mesmo uma rivalidade ideológica e até física entre eles.
Na época de Cristo não era diferente, mesmo que todos fossem filhos do mesmo pai – Abraão – a sociedade era dividida em grupos que não se misturavam com os outros, se achavam melhores por cumprirem a Lei, por servirem o Templo com mais fervor. A sociedade judaica formava seu pensamento social em torno da religião. E se rivalizavam, chegando mesmo a excluir os outros povos, por acreditarem que haviam sido escolhidos dentre todos os povos pelo Deus único e que eram os verdadeiros cumpridores da Lei, e assim mais amados por Yahweh.
Isso ocorre muito nitidamente entre o povo judeu e os samaritanos, estes adoravam ao Senhor no monte de Garizim, onde construíram um Templo para rivalizar com o templo de Jerusalém. Os Judeus diziam que o lugar correto para adorar a Yahweh era no templo que estava em Jerusalém (Jo 4,20). As palavras de Jesus para a samaritana são esplêndidas, pois o lugar da adoração é dentro de nós mesmos, em nosso espírito, no mais íntimo aonde o próprio Deus vem habitar, se assim o deixarmos.
A vida de Cristo é, por si só, o sinal da bondade divina para com os homens e da presença de Yahweh entre eles. Por meio de suas ações, Jesus expõe o amor grandioso e misericordioso do Pai por todos. A intenção do Pai ao enviar seu Filho ao mundo é resgatar os que caminhavam nas Trevas, (Is 9,1) mostrando a luz do amor grandioso de Deus. Para que a humanidade pudesse conhecer o verdadeiro rosto de Deus, Cristo não poupou esforços para transparecer em sua vida a caridade de Deus para com todos, mas em especial para com os pobres, os desprezados, excluídos da sociedade até mesmo pelos que falavam “em nome de Deus”.
A atitude de Jesus de ir ao encontro do outro demonstra a real pretensão de Deus ao enviar seu Filho ao mundo, pois não importando quem seja, o olhar de Cristo é de amor! Deus quer nos tornar filhos, no seu Filho.
Algumas passagens nos demonstram muito bem essa atitude de ir ao encontro, ir à busca daqueles que se acham fora do convívio da comunidade. Para esta, os doentes eram pessoas que, ou tinham cometido algum pecado ou nasceram com aquela condição por causa de algum pecado dos pais. Vemos na piscina de Betesda vários doentes que ali se encontravam, os quais provavelmente iam a esse lugar para um dia talvez conseguir entrar na piscina onde o anjo do Senhor agitava a água e, por fim, ficarem curados.
Um em particular chamou a atenção de Jesus, um homem doente há 38 anos. “Jesus vendo-o deitado e sabendo que já estava assim a muito tempo” (Jo 5,6) não hesita em ir ao seu encontro. Ao encontrar com o paralítico, deseja saber do próprio doente se ele deseja ficar curado. Aqui, como em vários momentos, Cristo faz prevalecer o livre arbítrio do homem, não impõe uma cura ao doente, mas pergunta se ele quer ficar curado (Jo 5,6). Ao expor a sua situação de desejar a cura, mas não poder chegar até a piscina no momento em que o anjo está nela, comove a Jesus, que sendo a verdadeira água viva, fonte da vida plena, permite que o homem mergulhe no seu amor e a partir disso encontre a posição real do ser humano, não mais paralisado pelo pecado, mas de pé pela graça.
É conveniente pensar dentro da sociedade judaica que aqueles que eram ‘doentes’ às vezes também eram associados como impuros ou malditos, que estava naquela condição por ofenderem a Deus. Por essa condição eram vistos como pessoas à margem da sociedade. Pode-se chegar a pensar que durante todos esses anos em que ficou paralítico e que ia à piscina a fim de ser curado, não era ajudado. Pois, os que ali iam sentiam medo de o tocar e ser visto como impuro pelas autoridades, tendo que se afastar do convívio dos outros e até mesmo do Templo.
Antes de iniciar o diálogo entre os dois, é o próprio Jesus que vai ao encontro do enfermo para saber de sua boca o desejo que em seu coração já pulsava. O próprio Deus que quer se encontrar com a humanidade enferma para curá-la dos seus males, porém para que Sua Palavra seja cumprida, a resposta da humanidade deve ser espontânea e brotar de seu coração. Para que o mistério da cura possa operar no corpo, a alma precisa aceitar a Palavra e, aceitando-a, purifica e cura toda a enfermidade.
Eis o grande sinal de Amor, o filho de Deus que desce ao nosso encontro, rebaixa-se, para que possamos receber as graças que Deus nos reserva. Deus nos quer em sua presença, é Ele próprio que nos convida estar em sua presença e nos oferece os bens que dele procede.
Aqui o temor da Lei já não faz mais sentido, a preferência pela vida se sobressai muito mais como adesão ao amor de Deus do que o cumprimento de normas. Não podemos nos esquecer de que o reino de Deus nos é apresentado para que todos sejam iguais, filhos de Deus, uma só comunidade em Cristo, que nos ensinou como proceder para que, assim como nós, outros possam participar da Família de Cristo, da grande comunidade dos filhos de Deus até que haja uma só família e uma só comunidade.
Os documentos elaborados pelas conferências da Igreja da América Latina e do Caribe nos mostram uma Igreja com um desejo de ir ao encontro dos mais necessitados, dos mais pequeninos, dos que estão à margem da sociedade. Um desejo de Igualdade, de que Todos sejam e se sintam filhos do mesmo Pai. Por isso, insiste em uma missionariedade de dentro para fora; de missionários que, assim como Jesus, vão ao encontro dos irmãos que estão longe do convívio da comunidade, dando preferência aos mais pobres e necessitados, para que estes possam participar do amor de Deus por seus filhos dentro da comunidade, juntos com todos os outros.
Todos nós somos filhos de Deus. A encarnação de Jesus na história se faz para que todos os homens sejam salvos e conheçam o verdadeiro rosto amoroso do Pai. O discurso da Igreja ao apresentar Jesus, deve ser um discurso que aproxime as pessoas; Um discurso de misericórdia; Um testemunho que faça as pessoas se abrirem ao amor de Deus e não que as façam se sentir como indignas de estar na presença do Senhor.
Para que tenhamos força e mais eficácia na missão de propagar o Evangelho, façamos como Cristo, não só o imitemos em palavras, mas com palavras e gestos. Todo nosso ser deve transparecer tudo o que de bom o Senhor fez e faz por nós.
Assim como Jesus foi ao encontro do paralítico, tenhamos a coragem de ir ao encontro dos que ainda não fazem parte da comunidade cristã; apresentemos a eles esse amor que experimentamos em nossas vidas, para que eles também possam estar conosco e partilhar do mesmo amor de Deus.
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Irmão Martinho Furtado, OSB.
Monge beneditino Valombrosano do mosteiro de São João Gualberto em São Paulo. Cursou Filosofia pelo IESMA –MA e atualmente é aluno do 5° semestre de Teologia pelo Centro Universitário Salesiano, Unisal, campus Pio XI. Trabalha na pastoral da Educação do colégio São João Gualberto.
Referências
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