Revista Voz Amiga | Volume 31 | Nº 1 | Ano 2021
Na homilia não é o ministro, mas Igreja que fala através das suas palavras. O pregador não se expressa por si mesmo, não pode fugir da realidade eclesial nem daquilo que a Igreja acredita e ensina. O papa aponta que a homilia precisa ser como uma conversa de mãe falando a seus filhos.

Um mundo secularizado.
Vivemos um tempo de subjetivismo forte, que gerado no íntimo do homem invade a sociedade civil e adentra, quase que invisivelmente, embora potente, nas nossas paróquias e comunidades. É o mundano (secularismo) que vai ganhando espaço no meio do sagrado, se instalando, enraizando, crescendo e multiplicando. Um exemplo dessa realidade na Igreja é a homilia da Santa Missa. O Papa Francisco aponta na Evangelii Gaudium que “são muitas as reclamações relacionadas com esse ministério importante” (EG 135).

A pregação dentro da liturgia não tem sido tarefa fácil. A cada dia aparecem dificuldades, sejam pela parte dos pregadores, sejam pelos ouvintes. Nossas assembleias compostas de entendimentos e desejos mistos são um desafio para quem faz a homilia, enquanto que a falta de preparo, o descuido e o modelo de pregação adotado pode agradar e desagradar os ouvintes simultaneamente na mesma assembleia. O fato é que muitas pessoas vão à Santa Missa não pelo mistério eucarístico, mas “para preencherem-se” do vazio causado pelo secularismo e a falta de esperança, filha de um tempo que valoriza o “carpe diem”, a beleza e boa vida, em detrimento da fé e do ensinamento católico. Enquanto outras, que valorizam mais o rito que a práxis cristã, vão apenas para comungar, cumprir preceito, por isso buscam uma homilia em que as palavras do sacerdote justifiquem suas devoções e deixem-lhes tranquilas na certeza de que são fiéis e cumpridoras da Lei de Deus e da Igreja.
Hoje em dia, muitos procuram uma pregação que faça sentir bem, as vezes um preencher mais para o momento. São as chamadas “homilias ungidas”, nelas falam-se o que o fiel quer ouvir: que ele vai vencer, que Deus vai dar-lhe o que mais deseja sem esforço algum, que será abençoado e prosperará em tudo; e, na casa dele, uma vez justificado, volta aos desafios do dia, a busca incessante pelas coisas da terra na tranquilidade de quem não precisa viver o que é proposto pela Igreja. Por outro lado, alguns fiéis que se proclamam defensores da tradição e enraízam essa defesa em modelos distantes e documentos escritos para sanar problemas diferentes, em contextos distintos do atual, procuram uma homilia “mais consistente” que condene os que não andam segundo seus costumes ou que não vivam segundo o que eles pensam que o católico deve viver.
Da parte dos pregadores, muitos caem no querer agradar a assembleia, e por essa razão fazem da homilia um espaço que leve o povo a chorar, um lugar para proclamação de profecias, milagres, curas; enquanto outros tornam aquele um momento de glorificação pessoal e nisso desaparece a figura do Cristo, sua Igreja e sua Palavra e o presbitério torna-se um palco com holofotes voltados para o pregador. Há ainda aqueles que acreditam que a liturgia seja “fácil” por isso não há necessidade de se preparar e outros até desejam, mas não tiram um tempo para a leitura e meditação da Palavra de Deus.
O que é a homilia segundo o Papa Francisco?

Na Evangelii Gaudium o Papa Francisco diz que “a homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um pastor com seu povo” (EG 135), portanto, ela é uma oportunidade que o pregador tem de chegar ao coração da sua comunidade através do que Deus falou na liturgia. Ele não precisa inventar, não é necessário recorrer a fórmulas prontas de outros pregadores, mas falar na linguagem de seu povo a mensagem da Palavra de Deus. A melhor forma de se aproximar é conhecer, o pastor precisa conviver com o seu rebanho e só assim saberá o que ele busca, o que necessita e através disso de que forma é possível fazer-lhe encontrar-se com a fonte de água viva que vai matar a sua sede, por isso o pontífice explica que “o pregador deve pôr-se sempre a escuta do povo, para descobrir aquilo que os fiéis precisam ouvir” (EG 154).
Não podemos esquecer de que a homilia é um espaço dentro da celebração, onde Deus “deseja alcançar os outros através do pregador e de que Ele mostra o seu poder por através da palavra humana” (EG 136), aquele momento não deve ser tanto um espaço catequético, nem carismático no sentido de fazê-lo segundo o carisma de um movimento, nem o lugar para uma aula de dogmática, mas, o momento mais alto do diálogo de Deus com seu povo que tendo ouvido a Palavra, medita-a antes da comunhão sacramental. Não convém que o pregador torne a homilia uma sessão de piadas onde as pessoas possam dar risadas, nem um momento de descontração recorrendo a teatros, músicas, vídeos etc, ou a estenda demais a ponto de quebrar a harmonia entre as duas partes da celebração eucarística e o seu ritmo, causando a dispersão. Aquele é o momento de afervorar os mistérios de Deus revelados na liturgia, logo, deve orientar o povo de Deus e aquele que prega para uma comunhão com Cristo na Eucaristia que vá além do rito e transforme completamente a vida, por isso, não é a palavra do pregador, mas o Senhor que deve brilhar (Cf. EG 138).

Na homilia não é o ministro, mas Igreja que fala através das suas palavras. O pregador não se expressa por si mesmo, não pode fugir da realidade eclesial nem daquilo que a Igreja acredita e ensina. O papa aponta que a homilia precisa ser como uma conversa de mãe falando a seus filhos. Como é o diálogo da mãe com os filhos? É uma conversa que inspira confiança, pois o filho sabe que a mãe o ama e tudo o que lhe ensina é para o bem, ela não apenas fala, mas escuta, compreende, aconselha e corrige, está sempre perto. Assim deve ser a pregação na liturgia, um espaço materno-eclesial que o pregador, conhecendo o coração dos fiéis, afaga-lhes com doçura e ternura através da “proximidade cordial, do tom caloroso da sua voz, da mansidão do estilo das suas frases, da alegria dos seus gestos” (EG 140), como Jesus que olhava, se aproximava e amava as pessoas sem julgar seus pecados nem olhar as suas quedas (Cf. EG 141). Por isso, o pregador não deve desenvolver uma homilia pautada em moralismos, doutrinações e lições exegéticas, mas abrasar os corações como Jesus ao falar com os discípulos de Emaús (Cf. Lc 24).
Caminhos pastorais para uma boa homilia

Como se chega a isso? O Papa insiste na preparação da homilia, e diz que isso exige “um tempo longo de estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral” (EG 145). Aconselha, portanto, a oração, invocação do Espírito Santo, atenção ao texto bíblico na busca de compreender a verdade sem manipulá-la, estudar o texto sem pressa, com amor e a partir disso descobrir qual a mensagem principal. É importante viver o que prega, por isso Francisco insiste que o pregador precisa “desenvolver uma grande familiaridade pessoal com a Palavra de Deus” (EG 149), e a leitura orante favorece e permite essa proximidade. A lectio divina ilumina e renova, pois, entre outras coisas permite ao leitor rezar, adentrar no “espírito do texto” e perguntar o que a Palavra está lhe falando, permitindo que ela adentre em seu coração. Para uma homilia eficaz, o pontífice fala da necessidade do sacerdote escutar o povo e partir disso descobrir suas aspirações, riquezas e limitações, e relacionar a mensagem bíblica com vida humana, o que Deus fala por meio daquela situação.

Por fim, a criatividade pastoral é muito importante, e para isso deve-se usar dos recursos pedagógicos. Essa não é uma novidade, Paulo e os que partiram para os confins do mundo usaram dessa tática para a evangelização. O Papa traz a ideia da reunião de padres diáconos e leigos periodicamente para encontrarem recursos pedagógicos e apresenta alguns como: falar por imagens, uma pregação simples, clara, que fale ao povo e o faça entender a mensagem, a importância da linguagem, precisa chegar ao coração, revestir-se de clareza, simplicidade e ser compreensível, usar uma linguagem positiva, com propostas do que se pode fazer de melhor na vida comunitária e particular, essa pregação “oferece esperança, orienta para o futuro e não nos deixa prisioneiros da realidade” (EG 159).
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Ismael Félix
Seminarista no Seminário Diocesano Nossa Senhora do Desterro de Jundiaí – SP, cursou Filosofia pela Faculdade São Bento de São Paulo (2015 – 2017) e atualmente é aluno do 7º semestre de Teologia pelo Centro Universitário Salesiano, Unisal, campus Pio XI.