No dia 03 de maio de 2021 o Papa Francisco anunciou a canonização de Charles de Foucauld “pobre entre os pobres” e “irmão universal”, por isso, retomamos nesta voz da memória este artigo publicado originalmente na edição 4, do ano de 2013, feito pelo padre Carlos Roberto dos Santos, onde podemos conhecer um pouco mais da vida deste santo.

Charles nasceu numa família rica de Strasburgo, na França. Ficou órfão de pai e mãe ainda bem pequeno, e foi educado por seus avós. Teve boa formação cristã e também estudou em bons colégios. Em contato com o ateísmo, afastou-se da vida cristã e, como todo adolescente, viveu seus conflitos interiores e foi muito indisciplinado. Jovem, foi oficial do exército francês, mas passou a juventude se entregando aos prazeres da vida até o dia em que, numa expedição ao Marrocos, com vinte e poucos anos de idade, quando ainda era ateu, ficou profundamente comovido com o testemunho de vida e de fé do povo muçulmano, pois viu que eles levavam a sério o amor de Deus em suas vidas. Este fato provocou uma reviravolta em sua vida e, deste então, Charles de Foucauld se tornou um “buscador” de Deus.
Ainda neste período de crise e busca, Charles sempre dizia uma pequena oração: “Senhor, se o senhor existe, faça com que eu Te conheça”. E esta procura se tornou seu itinerário de vida. Em Paris, sua prima Maria de Bondy o levou na Igreja Santo Agostinho, onde Charles encontrou-se com o Pe. Huvelin, com quem teria uma boa discussão sobre religião. Ledo engano, pois movido pelo Espírito de Deus, Pe. Huvelin pediu para o jovem se ajoelhar e confessar-se. Este fato o marcou profundamente e aconteceu uma segunda reviravolta em sua vida. O próprio Charles escreveu mais tarde: “Logo que descobri que Deus existe, entendi que não podia mais fazer outra coisa a não ser viver somente para Ele: minha vocação religiosa começou naquele exato momento de minha conversão, quando despertou a minha fé”.
A partir daquele momento Charles de Foucauld começou um longo itinerário espiritual em busca do absoluto de Deus. Procurou esvaziar-se de tudo o que não era o Evangelho em sua vida. No silêncio e no abandono, Charles mergulhou no essencial, procurando identificar-se cada vez mais com Jesus, a quem chamava: “meu Bem amado irmão Jesus”.
Tornou-se monge trapista e seguiu em tudo este itinerário de perfeição. Mas o mosteiro se tornou pequeno demais diante de sua busca do absoluto de Deus, que o impulsionava a ir cada vez mais longe. Charles escreveu: “No mosteiro passei seis anos e meio, depois, desejando querer me assemelhar a Jesus, fui autorizado a viver como alguém desconhecido, vivendo do meu trabalho cotidiano”. E assim foi viver em Nazaré, como jardineiro no convento das Irmãs Clarissas.
Aí se fez luminoso o paradoxo do Evangelho: quanto mais Charles se aniquilava, tornando-se pequeno e servidor, escondido em Nazaré, mais seu coração se alargava numa dimensão universal, mais ele participava da humildade de Jesus e se assemelhava mais e mais com seu amado Senhor Jesus. Foi ali, nos acontecimentos escondidos da vida, que se desenvolveu uma autêntica espiritualidade evangélica, espiritualidade de Nazaré, espiritualidade do silêncio, da escuta da Palavra de Deus, da adoração eucarística, da simplicidade da vida e da partilha fraternal.
Sua busca de Deus o levou ainda mais longe: ao deserto do Saara, onde foi viver em meio aos tuaregs, um povo local. Evangelizou não com palavras nem com longos discursos ou belas liturgias. A missão de Charles entre os tuaregs foi o inverso do proselitismo. Charles emprestou sua própria vida a Deus, uma vida não retida, mas doada inteiramente em favor daqueles que não tinham nada. Não procurou conquistá-los para o cristianismo, mas através de sua vida e sua maneira de viver entre eles, revelou-lhes a face de um Deus presente, um Deus que é amor, que é solidário e é completamente comprometido com os pobres. Sim, Charles evangelizou com sua própria maneira de viver, sendo, simplesmente, a presença silenciosa de Deus entre os tuaregs. E de sua parte, os tuaregs começaram a chamá-lo de “marabuto branco”, isto é, o homem da oração e o homem de Deus. Foi assim que se tornou o “irmão universal”, porque sua maneira de viver abrangeu o mundo todo e todos os povos, a partir da intensidade de sua presença entre os tuaregs.
Charles morreu silenciosamente, assassinado aos 58 anos, no dia 1º de dezembro de 1916. Quando foi encontrado, o ostensório, com Cristo Eucarístico, estava ao seu lado. Em toda sua vida viveu a radicalidade da entrega a Deus, a radicalidade do aniquilamento e do compromisso, como o Bem amado irmão Jesus.
Em sua vida Charles não teve seguidores e, como Jesus morto na Cruz, parecia que sua missão foi um fracasso. Não foi. Uma vez enterrada a semente, ela cresceu e produziu muitos frutos. Essa seiva viva da espiritualidade do irmão Charles de Foucauld percorreu as veias da Igreja, e várias congregações surgiram. Dentre elas destacamos, de maneira especial as Irmãzinhas de Jesus, os Irmãozinhos de Jesus e a Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas, para padres diocesanos.
O que Charles nos ensinou? Voltar ao Evangelho, pois “quem guarda a própria vida para si mesmo, vai perdê-la, mas quem a entrega, vai ganhá-la”. Em nosso caminho de evangelização, antes de evangelizar, é necessário amar. Antes de proclamar as palavras e anunciar a mensagem, é necessário vivê-la, sem arrogância e nem orgulho, na própria vida. Nossa missão é apenas ser dócil ao Espírito Santo, que nos conduz na história. Nós somos apenas o instrumento por meio do qual Deus quer estar presente; no final, é Ele quem deve tocar o coração do outro; só Ele pode converter o coração e abrir os olhos e os ouvidos.
E mais ainda, Charles nos ensinou a viver o Evangelho no meio dos conflitos e tempestades de nosso mundo relativista. Enquanto o mundo pede um “Jesus light”, de acordo com os interesses do homem atual, descompromissado com a vida em si mesma, Charles nos mostra que o anúncio do Evangelho não satisfaz, não converte e não transforma se não for acompanhando de uma entrega total ao Deus da vida. Se não for acompanhando de um compromisso profundo com Jesus de Nazaré, sobretudo na paixão e no calvário. Se não for acompanhando de uma solidariedade contagiante com os mais pobres e que mais precisam de ajuda, e da nossa presença.
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Padre Carlos Roberto dos Santos.
Pároco da paróquia Santo Antonio de Pádua na Diocese de Marília, mestre em Teologia pelo Intitut Notre Dame de Vie – França (agregado à Pontifícia Faculdade Teológica Teresianum de Roma). Atualmente é responsável nacional da Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas, no Brasil, secretário do Sub-regional de Botucatu (Sul1).