Formação Laical – Padre Pio: Cidadão Mariliense

 

FORMAÇÃO LAICAL

Revista Voz Amiga | Volume 32 | Nº 1 | Ano 2022

 

PADRE PIO: CIDADÃO MARILIENSE

 


 

 

Poucos dias depois da minha saída de Marília para Osasco, recebi um telefonema: “A Câmara municipal de Marilia acaba de conceder-te o título de cidadão honorário. Quando pensa voltar aqui para recebê-lo?” Pensei: “Que vou fazer com ele?” Respondi : “Mas é necessário voltar lá? Me enviem o papel pelo correio! “Imagine! Os vereadores querem fazer uma sessão solene, numa noite, na Igreja de S. Judas. Marque uma data!”- Olhei a agenda: para segunda feira, dia dez de abril, estava marcada a nossa reunião intercomunitária em Marilia. Respondi: “Se querem, dia 10 de abril estarei em Marília; à noite posso estar livre”. Pensei: “Esses vereadores não sabem mais o que fazer para atrair a atenção sobre si!” E desliguei a mente, mergulhando no trabalho rotineiro…

Quando voltei para Marília, me avisaram que os jornais e rádios da cidade convocavam o povo para a Missa solene e depois haveria, lá mesmo na Igreja, a sessão da câmara com a entrega do título. Pedi emprestado um paletó a Padre Primo e consegui encontrar uma gravata e alguém que fosse capaz de fazer o nó… Tinha bastante vontade de rir.

Mas, na sacristia, veio uma jornalista perguntar-me como me sentia frente a essa honorificência que me era concedida. Foi como uma sacudida para despertar do sono. Até lá tinha pegado a coisa meio na brincadeira, com o costumeiro sistema de “Deixa fazer”. Mas, vi que a Igreja estava superlotada, que tinham chegado até os dois Bispos de Marília: Dom Daniel e Dom Osvaldo. Devia assumir a minha parte e dar satisfação adequada a todo mundo.

Um entre tantos.

Respondi à jornalista que outros padres de Marília tinham já recebido reconhecimentos cívicos iguais e que havia mais padres na cidade e diocese que mereceriam reconhecimento público pelo serviço humilde que prestam ao povo. Acrescentei que achava justo e educativo chamar a atenção do público sobre o trabalho da Igreja católica desenvolvido no meio do povo, dado que os meios de comunicação e a opinião pública não reparam no serviço humilde e escondido, prestado todos os dias por milhares de padres, religiosos e religiosas por este Brasil afora; chamam a atenção do público sobre a igreja somente quando acontece algum deslize, ou encontram pretextos para interpretar mal e contradizer seu ensinamento. eu recebia essa honra entre de tantos meus colegas e como reparação pela falta geral de atenção do grande público pela obra da igreja em serviço da humanidade.

E fui desenvolvendo o tema. nas palavras de agradecimento ao público, observei como todo mundo colocava em destaque duas obras por mim realizadas em Marília: a construção do santuário de são Judas Tadeu e a ajuda dada aos favelados. mas sublinhei que considerava essas obras como aspectos externos e secundários, respeito ao serviço principal que eu, como a maioria dos padres estamos prestando ao povo: o serviço de educação e acompanhamento, para elevar os ideais e a conduta das pessoas, de modo que vivam com maior dignidade.

todos nós padres atendemos a uma obra de formação dos pequenos e dos grandes, imensamente mais importante e merecedora de atenção, porque Visa elevar a qualidade de vida, orientando-a a praticar as virtudes e evitar os vícios, que tanto degradam e escravizam as pessoas, e causam, de reflexo, prejuízos imensos à sociedade.

O desafio não é tanto construir uma igreja de Pedra; o desafio está em enchê-la de fiéis que vivam segundo o evangelho, na justiça e solidariedade. do mesmo modo, ajudar os favelados a construir o próprio barraco é útil sem dúvida, mas o desafio maior consiste em ajudá-los a construir a própria pessoa, despertando em cada um o sentido de dignidade de filhos de Deus, com o consequente esforço para ocupar bem o tempo, a inteligência e as forças para se tornarem donos de si, acostumar-se a uma conduta digna, que os leve a perseverar nos estudos, até se profissionalizar, resistindo a tentação dos vícios, perseverando na vida ordeira. numa palavra, levar os pobres ajudar-se por si mesmo, até a não necessitar mais de ajudas; pelo contrário, tornando-se ele capaz de ajudar outros que ainda não chegaram lá.

Concluir chamando a atenção sobre o esforço maior, meu e da igreja toda, tendente A formar as novas gerações, a organizar grupos de adolescentes e jovens, animar os casais, para que perseverem na condução de suas famílias autenticamente cristãs, que dão à sociedade cidadãos ordeiros e comprometidos com o bem. Essa era, a meu ver, a obra civico-religiosa mais importante e merecedora de atenção que eu, com milhares de padres por este Brasil afora, estava realizando com a nossa dedicação de todos os dias e constituía um serviço cívico de valor inestimável.

O valor humano da religião.

Falei isso, expondo ideias que cultivo à muito tempo. Estou profundamente convencido que o exercício do sacerdócio é a profissão mais útil à humanidade. Digo útil civicamente, para o progresso global de um povo. A religião, bem entendida e apresentada, é o maior fermento de civilização, no sentido mais verdadeiro e equilibrado.

Fico decepcionado quando vejo padres que não consideram esse valor. Temem até de servir a uma religião “alienante”! Lembro, anos atrás, a justificativa de alguns padres que se profissionalizavam, porque diziam que “tinham direito de colaborar ao desenvolvimento do próprio País!” Deixavam de organizar o catecismo, formar grupos de jovens e de casais, de visitar famílias, animar a assistência aos pobres, para exercer a profissão de advogados, professores, funcionários públicos. Afirmavam querer, deste modo, ajudar mais a sociedade e ninguém evidenciava o contra-senso deste proceder.

Hoje muitos pensam que a ajuda principal à sociedade, dada pela nossa pastoral, consiste em conscientizar o povo sobre seus direitos cívicos, reivindicando isso e aquilo da administração pública. Eu não descuido disso. Sou conhecido pelos políticos porque frequentemente os avizinho para discutir propostas de melhora de serviços aos mais necessitados e reúno comissões de leigos para que insistam com as autoridades em fazer o que sempre prometem. Só que não gosto de protestos. Acho um meio primário demais, de eficácia duvidosa causa de inimizades contra a igreja. É mais construtivo e civilizado sentar com os responsáveis para examinar, num clima de colaboração, as soluções mais viáveis. Para mim, são autoridades legítimas, postas lá por um voto popular, que devemos respeitar. Não estamos mais num regime ditatorial!

Contudo, o serviço mais importante que penso de dar à sociedade, é de educar as pessoas, sobretudo as novas gerações, e uni-las em comunidades de irmãos. Confesso ter discussões contra quantos afirmam que o mais importante é “mudar as estruturas,” porque, aí Sim, tudo mudaria. Mas, eu pergunto: “Se amanhã Jesus Cristo mesmo se tornasse presidente do Brasil, S. José ministro das finanças, Nossa Senhora encarregada da assistência social… no dia seguinte, todo beberrão viraria temperante, todo ladrão trabalhador ordeiro, todo funcionário corrupto, servidor público exemplar, todo político safado, zeloso promotor do bem-comum? De hoje para amanhã os um bilhões de crianças de rua, órfãs de pais vivos, e outros milhares de maridos que abandonaram o lar, voltariam a se reunirem em famílias? embora lutando para mudanças políticas, não me iludo que os vícios das pessoas se corrijam com atos governamentais! é preciso um corpo-a-corpo para convencer cada pecador a mudar de vida. Esse é o desafio maior da nossa pastoral.

Toda vez que participo de cursos ou palestras de temas sociais, ouço o refrão: “a causa maior da pobreza é a estrutura injusta da sociedade”. toda vez que visito famílias em favelas, volto a dar razão aos vicentinos e a quantos trabalho de verdade entre os pobres. para eles a causa maior da pobreza é o vício. Por isso, a nossa missão é de pregar a conversão e a pessoa de Jesus Cristo que nos liberta de todos os vícios.

A utopia do Reino de Deus.

Formar uma sociedade na qual cada um começa dominando as próprias paixões e se esforça para usar de modo melhor os talentos recebidos, aproveitando todas as oportunidades que a vida apresenta. Essa é a utopia da sociedade virtuosa, composta por pessoas bem formadas, e realizadas em famílias ordeiras, células vivas e atuantes na comunidade, na qual se multiplicam os voluntários que dão catecismo, visitam os doentes, ajudam os necessitados, organizam festas de confraternização, cantam os louvores de Deus e intercedem por aqueles que trilham outros caminhos, procurando incansavelmente atraí-los para a beleza da vida cristã. Essa é a nossa tarefa de sacerdotes.

Esse é “o povo de Deus” que somos chamados a construir: o povo que tem Deus como pai, Jesus Cristo como mestre e modelo de vida, o Espírito Santo inspirador, sempre, de novas realizações. Povo que, portanto, é feliz e abençoado.. Esse povo já existe em toda parte, onde há um sacerdote verdadeiro. Lá crescem núcleos de jovens sadios, floresce a solidariedade e o voluntariado. Há milhares de catequistas na nossa Igreja do Brasil, que com dedicação admirável e absoluta gratuidade ensinam às novas gerações que somos filhos de Deus e chamados a viver com dignidade e responsabilidade.

Há inúmeros ministros da Eucaristia e dos enfermos, animadores de quarteirões, líderes dos grupos de jovens e de casais, legiões de vicentinos e de legionárias de Maria, que fazem tudo de graça, embora no meio de um mundo interesseiro, no qual muitos nem dizem bom dia ao vizinho, se não tiverem esperança de um benefício!

Será que o professor, o médico, o assistente social, contribuem mais do que nós a humanizar as pessoas e a sociedade? Eu estimo, até admiro a dedicação de inúmeras professoras, enfermeiras, assistentes sociais, organizadores de obras filantrópicas. Mas, a maioria daqueles que fazem da profissão uma autêntica vocação, chegaram a tanto, porque foram formados pela Igreja e continuam se alimentando dos Sacramentos, da Liturgia e participando de grupos animados por padres.

Em todo lugar, onde há um sacerdote zeloso, florescem essas comunidades. Eu não sei se hoje isso é mais difícil do que ontem. Sei que sacerdotes dedicados conseguem implantá-las, quer na cidade, quer no campo, alguns entre bem ricos e outros entre pobres. Viajando e escutando, descobrem-se tais comunidades onde menos se teria imaginado.

Sim, o mundão é cheio de injustiças violências, misérias. Desculpas para ficar passivos na espera de tempos melhores sempre tem. Lembro, durante a guerra, de ter ouvido de alguns padres desanimados essa desculpa para não trabalhar com zelo: “Esse povo hoje está tão mal nessa terra, que nem tem a força de olhar para o céu!” Passou a guerra, veio a explosão do bem-estar, e os mesmos padres continuavam parados dizendo: “Esse povo hoje está tão bem na terra, que nem pensa mais a olhar para o céu!” Outros pelo contrário, souberam manter fervoroso o povo tanto no turbilhão da guerra, como no carnaval do bem estar… Não é maravilhoso? O campo está aberto para quem deseja empregar bem o próprio sacerdócio! E todo mundo é campo.

Se não temos orgulho da nossa missão é porque não assumimos sua parte melhor, nos deixando amarrar por problemas burocráticos, mergulhados no afã de coisas secundárias, frequentemente chatas. Ou não refletimos sobre a meta da nossa missão. Falta-nos a capacidade de parar para “admirar”, tanto estimada pelos sábios. Seriamos mais felizes, se olhássemos o bem que floresce ao redor de nós.

 

 

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Por Padre Pio Milpacher, CJS. 

Congregação de Jesus Sacerdote

 

 

 

 

 

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O desafio da educação das novas gerações, e sobretudo, dos futuros padres evidentemente preocupa, seja os educadores jovens, seja, sobretudo, os que viveram a vida toda com esta responsabilidade. Ninguém discute a necessidade e a importância desta missão. Mas os tempos mudaram. A cultura e o estilo de vida são diferentes. Os jovens de hoje não aqueles do passado. São necessários novos paradigmas, novos métodos. Quais? Temos que dar espaço a dúvidas, interrogativos, questionamentos. O autor deste artigo se faz porta voz dos mesmos. Vale a pena escutar.

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